Clarice Lispector sempre foi um mistério para mim. Naquelas épocas em que a gente torcia para que Clarice e Cecília Meirelles não caíssem nas provas, mal tínhamos noção da história por trás das duas e foi por isso, provavelmente, que eu adiei ler Clarice por tanto tempo - as obras da autora, e não a biografia. Foi então que "Clarice," (pronuncia-se "Clarice vírgula") apareceu nas estantes das livrarias e me chamou a atenção com a capa (sempre a capa).
Na época, a única edição disponível era grande, de capa dura, cara e muito, muito pesada. Como eu leio em movimento, no ônibus e no metrô, deixei para mais tarde. Duas semanas atrás, no entanto, passeando pela livraria, dou de cara com uma versão muito mais leve, com páginas mais finas, capa mole e a inscrição que dizia "Nova versão Pocket". Pocket é boa vontade, nenhum bolso consegue esconder aquele livrão, mas já melhorou muito a minha situação (e inclusive o preço era mais honesto).
Ucraniana de nascença, brasileira de paixão, judia de origens, Clarice Lispector viveu e sofreu as consequências da Revolução Russa, e das grandes guerras na Europa e no Brasil. Quando sua família consegue finalmente migrar para o nordeste brasileiro, tinha apenas dois anos - o suficiente para viver o resto da vida tendo que afirmar ao público suas origens brasileiras.
"Clarice," foi escrito por Benjamin Moser, autor e historiador americano que vive na Holanda, só para dar a noção da dimensão mundial, e não somente brasileira, que o livro tomou. É difícil decidir o que é melhor - a descrição tanto psicológica quanto literária da personagem de Clarice ou as inserções históricas que Moser faz ao contar todas os períodos que Lispector viveu: Revolução Russa, perseguição aos judeus, Revolução de 30, Era Vargas, ditadura militar no Brasil e sua presença na Passeata dos Cem Mil. Clarice foi tão brasileira que esteve de alguma forma ligada a cada um desses marcos históricos, muito bem pontuados pelo autor. Ao mesmo tempo, os problemas que Clarice enfrentou desde pequena - pobreza, imigração, preconceito, a morte prematura da mãe, as dificuldades financeiras do pai, as deficiências do filho - tudo esteve constantemente presente em todas as obras da autora, como mostra o livro de forma quase didática, quase romântica.
Mais do que as descrições, algumas frases de Clarice falam mais do que qualquer coisa que pudesse ser dita por Moser. Clarice refletia enquanto escrevia, e escrevia como se fosse quase sem pensar. Como em: "Será que Ângela sente que é um personagem? Porque, quanto a mim, sinto de vez em quando que sou o personagem de alguém. É incômodo ser dois: eu para mim, e eu para os outros. Ângela é minha tentativa de ser dois. Eu e Ângela somos o meu diálogo interior - eu converso comigo mesmo. Estou cansado de pensar as mesmas coisas" ou em "Não acredito nessa besteira de judeu ser o povo eleito de Deus. Não é coisa nenhuma. Os alemães é que devem ser, porque fizeram o que fizeram. Que grande eleição foi essa, para os judeus?"
Como não podia deixar de ser, morreu poetizando. No dia 9 de dezembro de 1977, teve uma forte hemorragia no hospital onde estava internada por um câncer em estado terminal. "Clarice olhou com raiva para a enfermeira e, transtornada, disse: 'Você matou meu personagem.'"
1 comentários:
Legal Carol,
Adorei a sua resenha. Sei que vou gostar muito de uma biografia salteada de história. Apesar de ler bastante, Clarice ainda é uma desconhecida para mim. Não sei qual o melhor livro para começar a ler Clarice Lispector.
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